Sexta-feira/ 29/ Março, 2024 - 5:00

Brasil embarca o primeiro contêiner de café carbono neutro da história

Produzido por cooperados da monteCCer, a carga teve por destino o Japão, que pagou um prêmio de R$ 100 a mais por saca devido à iniciativa

O embarque do primeiro contêiner, de que se tem notícia, de café proveniente de uma cafeicultura de baixo carbono, foi um marco histórico na trajetória da Cooperativa de Cafeicultores de Monte Carmelo, a monteCCer.

A carga de 600 sacas de 30 quilos de café foi enviada em outubro ao Japão e é oriunda de quatro fazendas que participaram do estudo pioneiro do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), que fez o balanço de carbono do cafezal de 34 dos 136 fazendeiros cooperados da monteCCer.

O resultado foi surpreendente. Os cálculos seguiram a metodologia do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e do GHG – Protocolo Agrícola (WRI, 2014), que faz a quantificação de emissões de gases do efeito estufa de acordo com a norma ISO 14.064, e mostraram que as plantações de café do grupo são carbono negativo, ou seja, sequestram muito mais CO2 do que emitem. Esse feito chegou aos ouvidos de Masamichi Hiroike, gerente geral da Volcafé Japão, que fez várias reuniões com representantes da monteCCer e da Volcafé Brasil para entender os detalhes da iniciativa.

As informações sobre as práticas agrícolas responsáveis e o bom manejo das lavouras quebram paradigmas. “Confesso que antes de conhecer este estudo, não considerava a cafeicultura brasileira sustentável”, comenta o gerente geral da Volcafé Japão. “Sempre pensava no modelo de grandes fazendas, com produção em massa, uso intensivo de produtos químicos para aumentar a produção e na exploração das florestas naturais e do Cerrado”, acrescenta.

Conhecer o trabalho dessas 34 fazendas da monteCCer foi um divisor de águas para o japonês. “Eu mudei o conceito que tinha sobre os cafeicultores brasileiros e hoje eu quero compartilhar o que aprendi com os nossos compradores de café”, explica Hiroike.
Não por acaso, a Volcafé Japão foi a primeira a fechar a compra do café carbono negativo da monteCCer. “Além do ágio por ser um café especial (acima de 80 pontos), que segue todos os processos de rastreabilidade da denominação de origem da região do Cerrado Mineiro, os produtores receberam um prêmio de R$ 100 em cima do valor de mercado da saca de 60 quilos pela iniciativa do carbono”, diz Marcelo Vieira Pedroza, diretor comercial da Volcafé Brasil, responsável pela remessa desse contêiner.

“É um valor simbólico, mas importante para se discutir o Pagamento por Serviços Ambientais. Estamos tentando fechar o ciclo entre o produtor, vendedor e comprador. Ir além do contrato comercial e integrar a agenda ESG [sigla em inglês para melhores práticas ambientais, sociais e de governança] para reconhecer que da origem do café ao destino há um trabalho bem feito”, diz Nicolas Rueda Latiff, presidente do Conselho Deliberativo do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e diretor da empresa Volcafé Brasil.

Raio-X do mercado japonês

Quando o assunto é café, o mercado nipônico é conhecido pela dobradinha: novidade e qualidade. “Os japoneses sempre querem qualidade atrelada a algo novo, que diferencie o produto em relação aos demais”, diz o diretor da Volcafé Brasil. No entanto, os pilares da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) precisam ser melhor compreendidos pela sociedade japonesa.

Contudo, desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2015 (COP 21) – onde foram estabelecidos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para guiar a implementação de políticas públicas globais até 2030 –, muitos trabalhadores do mundo dos negócios no Japão começaram a usar broches no formato de um anel com as cores dos 17 ODS.

Hiroike tem aproveitado esse interesse de parte da população para começar a inserir o conceito de sustentabilidade no mercado local. Ao contrário da população europeia, já familiarizada com o termo, o público do Japão ainda não entende bem tudo o que a concepção envolve. Por isso, o gerente geral da Volcafé decidiu utilizar o café carbono neutro como chamariz para começar a explicar toda a sustentabilidade da cadeia cafeeira. “Eu costumo dizer que o resultado do balanço de carbono é só a ponta do iceberg, mas por trás há todo um histórico de respeitar a legislação ambiental, proteger as reservas naturais, implementar boas práticas agrícolas e dar condições dignas aos trabalhadores”, diz Pedroza.

Tempo de maturação

O gerente da Volcafé Japão já fez vários webinars com diferentes portes de compradores para divulgar a iniciativa que ele batizou de Cerrado Verde. Nesses encontros, ele compartilha tanto o resultado do balanço de carbono do grupo de 34 cooperados da monteCCer quanto a plataforma Cerrado das Águas, um programa que une vários stakeholders para financiar o produtor da região do Cerrado Mineiro, que investe em conservação da vegetação nativa e em práticas agrícolas sustentáveis que ajudam a preservar a água e os recursos naturais.

Segundo Hiroike, o lançamento de produtos atrelados a essas iniciativas vai acontecer em etapas. “Os pequenos torrefadores são rápidos em introduzir essas novidades. Mas o processo é mais lento nas grandes indústrias. O funcionário apresenta para o seu chefe que apresenta para o departamento de marketing que vai fazer um estudo até lançar o produto final. É algo que costuma levar entre seis meses e um ano”, explica.

No Brasil, no entanto, o exemplo da monteCCer já deu frutos. O Cecafé anunciou o Projeto Carbono, uma parceira com um grupo de exportadores para replicar a iniciativa em outras regiões do estado de Minas Gerais. “O objetivo é mensurar, usando critérios científicos, o sequestro de carbono em diferentes localidades, como Sul de Minas e Matas de Minas”, diz Latiff.

O exemplo dos cafeicultores

de Monte Carmelo

Estudo pioneiro feito pelo Imaflora a pedido da cooperativa monteCCer mostrou que as emissões de CO2 das fazendas participantes é mais que neutra, é negativa.

A monteCCer divulgou o resultado de um estudo pioneiro sobre o balanço de carbono na produção cafeeira de um grupo de 34 dos 136 cooperados. Elaborado pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), o inventário realizado no início do ano passado apontou que a emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) desse coletivo de fazendas é negativo, elas sequestram mais carbono do que emitem.

Traduzindo em miúdos, essas 34 propriedades rurais têm uma emissão de 4,02 tCO2e/ha/ano (toneladas de CO2 equivalentes por hectare ano) – muito menor que a média global de emissão de fazendas cafeeiras, que é de 28 tCO2e/ha/ano. Quando entra na conta, tudo que o cafezal desse grupo absorve de carbono, o resultado é negativo: – 5,66 tCO2e/ha/ano.

“Nós já tínhamos a certificação Rainforest, queríamos saber o que poderíamos fazer além”, diz Francisco Sérgio de Assis, cafeicultor proprietário da fazenda Terra Rica e presidente da monteCCer. Com isso em mente, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Minas Gerais (Sebrae-MG) apoiou a cooperativa a contratar o Imaflora, que identificou as fontes que mais contribuem para a pegada de carbono: fertilizantes nitrogenados (57,3%), calagem do solo (14,9%), uso de combustível fóssil (14,6%) e decomposição dos resíduos da poda (13,2%). Além disso, o instituto levantou as práticas agrícolas que aumentam o sequestro de CO2 pelo solo e pela planta e que otimizam os insumos utilizados na lavoura.

Foram elencadas uma série de iniciativas, mas – entre os quatros cafeicultores que participaram desta venda ao Japão – um dos destaques foi a utilização de forrageiras entre as linhas dos cafezais, que reduz a necessidade de adubos químicos. O mais habitual é a utilização de braquiária, gramínea de raízes profundas que ajuda na ciclagem de nutrientes, aumenta a matéria orgânica do solo e mantém a temperatura mais amena. Mas os cooperados também têm adotado outras opções, como nabo forrageiro, trigo mourisco e milheto ADR 300. O agrônomo Luiz Augusto Pereira Monguilod, dono da fazenda São Rafael, e o técnico agrícola Reginaldo Penna Mundim Sobrinho, proprietário da fazenda Palmito, são exemplos de cafeicultores que têm aderido à técnica.

Cada uma destas forrageiras tem uma função: o nabo forrageiro tem raízes grossas que ajudam a descompactar o solo e facilitam a infiltração da água; o trigo mourisco atrai os inimigos naturais das pragas do café; e o milheto ADR 300 auxilia no combate dos nematoides, vermes presentes no solo que prejudicam a produtividade. E todas essas forrageiras, quando roçadas, são jogadas no pé da planta e se tornam adubo verde para o cafezal. “Elas também servem de cobertura de solo, que reduz o consumo de água e a evapotranspiração”, explica o engenheiro agrônomo César Jordão, dono da fazenda Mariana e cooperado da monteCCer com 203 hectares de cafezais.

A compostagem para reduzir o uso de adubos nitrogenados é outra prática que tem sido adotada por Monguilod e Reginaldo Mundim Sobrinho, cooperados da monteCCer. Primeiro, eles fazem uma análise de terra para ver o que o solo precisa. Na sequência, preparam a compostagem segundo a demanda da área. Eles utilizam a palha do café, que é resíduo do beneficiamento do grão; a torta de filtro, subproduto da produção de açúcar da região; esterco de vaca ou de galinha; pó de rocha, resíduo da mineração e a água do despolpamento do café, que é rica em potássio e cálcio. Todo esse material é misturado e fica curtindo durante dias até estar pronto para ir para o solo.

Outro hábito que tem ajudado a diminuir as emissões de GEE nas fazendas é a utilização de um combustível de melhor qualidade. “Só uso diesel S10, o que resulta em economia nos tratores e dá uma maior durabilidade no maquinário, reduzindo a manutenção”, diz Jordão.
O bom manejo dos recursos hídricos é mais um ponto de atenção dos cooperados da monteCCer, já que o Cerrado depende da irrigação para reduzir o risco climático, aumentar a eficiência e ter previsibilidade quanto à produtividade. Esse fato levou Assis, proprietário da fazenda Terra Rica de 630 hectares, a substituir os pivôs centrais por gotejamento. “Gastava 3.000 litros de água por hectare/hora. E hoje gastamos entre 800 litros e 1.000 litros, utilizando o sistema de gotejamento”, diz o presidente da monteCCer. Além da economia hídrica, o gotejamento permite a fertirrigação, o que reduz a perda de adubos nitrogenados por volatização.

O uso de água eletromagnetizado no sistema de irrigação por gotejamento também tem feito a diferença. O experimento foi feito por Luiz Augusto Monguilod na fazenda Vitória, uma de suas propriedades, em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) nas últimas quatro safras. “Com o uso da tecnologia, com a mesma quantidade de água que costumava usar, tive um aumento de produtividade que oscilou entre 5 e 6 sacas por hectare”, diz o cafeicultor.

“Neste experimento, utilizando 25% de água a menos, eu mantive a produtividade que tinha nas áreas sem irrigação eletromagnetizada”, conta. Isso acontece porque a eletromagnetização facilita a absorção da água pela planta. “Num momento como o atual, em que a água está escassa, é uma forma de mitigar o impacto”, diz Monguilod, que vai expandir a inovação para todas as fazendas.

O plantio de árvores nativas em bosques, em cercas de divisas ou para aumentar a população de árvores de reservas legais (RLs) e de áreas de proteção ambiental (APPs) é outra ação estimulada pela monteCCer, que há três anos construiu um viveiro de árvores nativas para atender a demanda não só dos cooperados, mas de toda região.
Reginaldo Mundim Sobrinho é um dos usuários. “Eu estou protegendo uma APP ao redor de um açude. Cerquei a área, peguei as mudas no viveiro e plantei as árvores nativas”, diz. Com esta atitude, o cafeicultor quer contribuir para a conservação do meio ambiente e para a produção de água.

Para não restar dúvidas quanto ao estudo realizado, a monteCCer, com o apoio do Sebrae – MG, firmou parceria, com a Preferred by Nature, uma organização internacionalmente reconhecida, que tem uma série de certificações atreladas à agricultura de baixo carbono. “Eles estão em campo verificando as práticas das 34 fazendas para chancelar os dados levantados pelo Imaflora e emitir um selo que seja reconhecido lá fora”, finaliza Régis Damásio Salles, diretor superintendente da monteCCer.

Muito mais verde,
muito mais água,
muito mais vida

Programa Viveiro de Atitude da cooperativa monteCCer multiplica mudas de árvores nativas do bioma Cerrado para enriquecer a vegetação não só das propriedades rurais dos cooperados, mas de toda região, cuidando ainda dos idosos e crianças da cidade, pois é um programa socioambiental.

O Cerrado brasileiro abriga as nascentes das principais bacias hidrográficas da América do Sul, por isso é conhecido como a caixa d’água do país. Ciente da importância do bioma para o ciclo hidrológico nacional, a monteCCer lançou em 2019 o programa Viveiro de Atitude. “É uma iniciativa com o objetivo de enriquecer as matas, proteger as nascentes e trabalhar a conservação do bioma Cerrado”, explica Régis Damásio Salles, diretor superintendente da monteCCer.

O projeto que deu origem ao Viveiro de Atitude começou a ser desenhado em 2018 e se concretizou em 2019 com o apoio de 23 instituições e 12 parceiros comerciais. Estes últimos ajudam com aportes financeiros para a manutenção do viveiro e também financiaram a construção do local, estrutura de estufa e equipamentos de irrigação que somaram R$ 500 mil.

Com esse apoio, as mudas chegam aos interessados no preço de R$ 3, bem abaixo do valor praticado no mercado, o que é um incentivo a mais para os produtores aumentarem as áreas de matas nativas em suas fazendas. Mas o programa Viveiro de Atitude não se restringe aos 136 cooperados da monteCCer. “Toda a sociedade pode participar deste programa de preservação e conservação dos recursos naturais. Convidamos os vizinhos dos nossos cooperados, o pecuarista, o hortifrutigranjeiro e estamos engajando os municípios e trabalhando com as escolas em projetos de educação ambiental”, diz Salles. “A prefeitura de Monte Carmelo, por meio do Projeto Plantando o Futuro, por exemplo, já traçou um plano de arborização e irá plantar 20 mil mudas de árvores nativas na cidade, sendo 5.000 mudas por ano, durante 4 anos, em parceria com o SICOOB Montecredi que fez a doação das mudas”, acrescenta.

Os bastidores do Viveiro

Para as mudas chegarem ao campo sadias, há uma rede de profissionais envolvidos. “Tudo começa com o produtor cooperado, que coleta as sementes das árvores nativas em sua propriedade e as leva para o viveiro”, diz Fernando Coutinho, responsável pelo Viveiro de Atitude. Lá, o gerente operacional da monteCCer, Sebastião Romeu Rabelo, mais conhecido como Romeu, comanda a parte de germinação. O processo para a quebra da dormência das sementes varia de espécie para espécie. “Algumas sementes, como a do Jatobá, tem a casca mais grossa. É preciso lixar ou fazer um pequeno corte para acelerar a germinação. Já a semente do Pequi precisa ficar imersa numa solução de ácido giberélico”, explica.

Depois de prontas, as mudas seguem para o destino do comprador com manual de plantio feito pela Emater. “Também estamos desenvolvendo um aplicativo em parceria com universidades para explicar todas as etapas, desde a semente até a árvore adulta”, diz Salles.
Mas como o solo do Cerrado varia de acordo com a região, se é uma área de baixada, se está próxima a um rio, a cooperativa decidiu contratar uma assistência técnica voltada a esse projeto. “No momento em que o cooperado manifesta o interesse em aumentar sua mata, eu entro em cena. Eu visito a propriedade, vejo as particularidades, oriento quais são as melhores espécies para aquele local e indico a forma de conduzir as mudas para que elas se desenvolvam bem”, diz Jaíne Cristina Jesus, agrônoma do Viveiro de Atitude, que foi viabilizada devido à parceria com o SICCOB Montecredi.

O programa quer incentivar o “enriquecimento”, o aumento da mata nativa não só nas propriedades rurais dos cooperados, mas nos vizinhos e nas áreas urbanas de toda a região. Especificamente em relação às fazendas, o intuito da monteCCer é contribuir para o aumento da vegetação, que ajuda a manter a temperatura amena e favorece a “produção” de água, o que é fundamental em tempos de mudanças climáticas.

Outra vantagem é que essas árvores sequestram carbono. Segundo a dissertação de mestrado da agrônoma Jeanete Silveira, feita na Universidade Federal de Goiás (UFG) em 2010, os teores de carbono a partir da quantificação de biomassa da parte aérea e do solo da vegetação nativa do Cerrado (savana) são de 429,04 Mg (megagrama) por hectare.

Desde o início do projeto, o viveiro produziu mais de 85 mil mudas de 128 espécies de árvores nativas. Desse total, mais de 23 mil mudas já estão plantadas em campo e o dinheiro da venda foi revertido para projetos sociais da cidade voltados ao cuidado de crianças e idosos.

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