Terça-feira/ 16/ Abril, 2024 - 3:51

Entrevista exclusiva com um dos maiores advogados criminalistas do Brasil, Ércio Quaresma.

Entrevista exclusiva com um dos maiores advogados criminalistas do Brasil, Ércio Quaresma.

Entrevista: Sergio Rodrigues

O Advogado criminalista Ércio Quaresma proferiu, no último dia 22 de março na FUCAMP, uma palestra promovida pelo curso de Direito da instituição. Antes do evento, ele concedeu uma entrevista exclusiva para a Revista Repleta. Confira. 

Foto: Marcio Junio

Quaresma, é a primeira vez que você vem a Monte Carmelo, o que achou da cidade?

Gostei muito da cidade e fiquei muito fascinado com a estrutura da FUCAMP,  está de parabéns o Professor Guilherme que dirige a instituição, Thiago e Leonardo que são dois grandes amigos, fiquei muito feliz com o convite e vamos dedilhar uma prosa sobre o tribunal do júri.

Fale um pouco sobre você, quem é o Quaresma?

Tenho 54 anos de idade, 24 anos de advocacia criminal, azucrinando juiz, promotor, delegado de polícia, capitão da PM, (risos)… Fazendo aquilo que a Constituição fala, o advogado é indispensável na administração da Justiça. Eu sou muito sarcástico, sou muito brincalhão, mas eu sou advogado na essência, eu faço com que o preceito constitucional da indispensabilidade do advogado na administração da Justiça seja respeitado, tanto no exercício profissional quanto nos eventos  e palestras para os quais somos convidados, nós temos o privilégio poder  passar isso para os meus colegas e também para futuros colegas.

Eu posso falar que tive um problema de dependência química, que é notório, todo mundo sabe disso,  uma chaga pessoal, uma patologia de saúde, recuperei, faz 8 anos que não tenho contato com entorpecente. Isso, às vezes, lamentavelmente é usado dentro dos plenários como tentativa de denegrir a minha imagem, mas é um problema superado que, indubitavelmente, não afeta o meu caráter nem o profissionalismo.

Você atuou em diversos casos de repercussão nacional, como foi atuar no caso do goleiro Bruno?

Esse foi o caso que teve  mais visibilidade, foi um caso que peguei no nascedouro. O caso do goleiro Bruno foi um processo em que houve uma influência monumental da mídia, tanto quanto os outros, Dorothy Stang, Eldorado dos Carajás, canibais de Garanhuns… em todos esses processos há uma influência da mídia, eu tenho absoluto respeito à imprensa, o problema é quando a imprensa forma uma convicção e um veredito antes de conhecer a prova. O delegado falou, mas quem disse que o delegado dá fé? O promotor acusou, mas quem falou que o promotor está certo? Nós temos um caso recente em que o Dr. Elias Assacri, presidente da Abracrim nacional, defendeu a Dra. Virginia, que é acusada de 300 mortes, a maior serial killer do planeta, ela foi absolvida sumariamente na instrução criminal ao cabo dela, a imprensa disse que houve uma reviravolta, mas “peraí”, desde quando houve uma reviravolta? O que nós tínhamos até então era uma ótica escoteira de um delegado de polícia, abraçado por um promotor de justiça e que sucumbiu sob um negócio sagrado chamado contraditório e, aí está o advogado, aí está a função do advogado, esse é o nosso papel na sociedade.

Voltando ao caso do goleiro Bruno, você acredita que a Eliza Samúdio foi assassinada ou você acredita na inocência dos acusados?

Eu brinco muito e digo o seguinte: tem gente que acredita até em duende e em muitas coisas… eu não tenho provas de que ela está morta, e eu digo uma coisa muito simples, para mim,  “o pulso ainda pulsa”, não há prova de que ela morreu, até porque a dinâmica levada logo no nascedouro, quando gerou todo o estardalhaço, é que ela foi estrangulada, medicina legal, isso não vai deixar vestígio, mas depois ela foi cortada em pedaços, nós temos seis litros de sangue no nosso corpo, não tinha como você picar alguém e… lembro muito daquela Elisa Matsunaro que matou o proprietário, um dos sócios da Yoke, o que encontraram no apartamento: resíduo de sangue. Então é estória com “E” e não  história com  “H” de fato havida relevante no contexto da humanidade, mas a pitoresca estória de uma coisa montada, ela sucumbe aí, eu não posso falar que Eliza está viva, não tenho prova de que ela está morta, é completamente diferente, mas foi condenado a recurso ainda pendente de julgamento e, naquela questão, houve uma influência dantesca da mídia no processo.

E os outros casos como o da missionária Dorothy Stang, os canibais de Garanhuns e massacre de Eldorado dos Carajás, como foi atuar nesses casos?

Vamos começar do último para o primeiro, o último que você citou aqui agora, Massacre de Eldorado dos Carajás, massacre por quê? Morreram 19, havia ali 1500 sem-terra, fechando a curva do “S”, lá no Pará, que era uma via de acesso para duas cidades, e quando houve o conflito, no lugar tínhamos 150 policiais, já imaginou 1500 pessoas caminhando para o seu lado, com um negócio chamado terçado (que eu aprendi lá que se chama facão), com pau de fogo, com revólver? Amigo,  entre acertar as contas com o homem da capa preta, eu tenho duas opções: ou acertar com o homem da capa preta, que é o juiz, ou com São Pedro. E eu prefiro acertar com o juiz, porque aqui tem recurso, lá em cima não tem, a morte é um descanso, eu prefiro viver cansado, não estou a fim de morrer por enquanto…(risos)  Então, numa situação daquela, o que se criou : ah… morreram 19 sem terra… não teve nenhum policial ferido, porque naquele momento talvez por conta da expertise, talvez por conta de uma superioridade de armamento naquela zona do conflito teriam perecido aqueles, teve gente que morreu com facão, teve gente que morreu com um tiro só, os relatórios de necropsia nunca foram expostos para a sociedade, “oh, esse cidadão morreu com um tiro só, esse cidadão morreu e tinha na mão dele um negócio chamado pólvora…”, sabe quando é que tem pólvora na mão via de regra? Quando você efetua disparo de arma de fogo. Uai, mas eu não sabia que pau de fogo era instrumento de trabalho de sem-terra, não! E nós colocamos no plenário do julgamento uns 50 a 60 paus de fogo.

Dorothy Stang: a realidade não foi contada pela mídia, ela foi denunciada pelo Ministério Público, acusada de um homicídio e deformação de quadrilha armada, e nessa denúncia por causa da morte de posseiros daquela região, de produtores daquela região, e naquela época a imprensa não contou isso, aí eu fico perguntando qual a versão da história que se quer contar? Eu falo nos júris, eu não sou um advogado, eu sou um Forrest Gump, um contador de histórias, se a história do Ministério Público prosperar, o réu vai ser condenado, se a história contada pelo advogado prosperar, ele pode vir a ser absolvido ou ter a pena reduzida. Então, dentro desse contexto  Dorothy, Bruno, Massacre de Eldorado e Garanhuns,  nós tivemos uma influência externa que conduziu a percepção dos jurados sobre as provas  (aspas)  havidas nos autos.

Você considera que há um preconceito da sociedade contra os advogados criminalistas?

Carnelutti falava, há muito tempo, que o advogado se senta no último degrau da escada e pede para ser julgado igual ao acusado, quem é que gosta do advogado do estuprador, de um homicida, de um latrocida, que escória que é essa raça de advogado, né? No Rio Grande do Sul agora, depois de ter sido condenado a 10 anos de reclusão, uma prova técnica que foi levada ao Supremo Tribunal Federal absolveu um homem condenado por estupro, com a decisão, com uma prova técnica no processo de revisão criminal, levada a efeito pelo Tribunal de Justiça, quem é que fez esse trabalho? Um advogado.

Eu tenho um caso de latrocínio, em  cujo processo o cidadão foi condenado a 24 anos de reclusão.  Depois de 8 anos preso, descobriu-se que o menor que o havia incriminando estava mentindo, quer experimentar 8 anos de cadeia? E quem é  que está defendendo esse moço? É o advogado. Cada caso tem que ter um tratamento isonômico, de garantia dos direitos constitucionais. Por pior que tenha sido a conduta do indivíduo, o direito é o mesmo… ah, ele não merece tratamento humano porque ele é desumano… uai, nós viramos barbárie então! Todo indivíduo, mesmo aquele considerado na sociedade o pior bandido, tem direito à defesa e  o advogado deve ir até as últimas consequências, até as últimas instâncias para defendê-lo.

Como você lida com as situações que muitas vezes envolvem questões relativas à segurança pessoal do advogado criminalista?

São 30 anos de janela, então quando participamos de processos onde há confronto de grupos, por exemplo Eldorado dos Carajás, entramos escoltados e saímos escoltados do fórum. No caso Dorothy, entramos escoltados e saímos escoltados do fórum. No caso do goleiro Bruno, não teve essa necessidade. Mas tirando a questão de segurança pessoal, quando  o Estado “às vezes” não nos concede meios de segurança, porque não somos tratados iguais a juízes e promotores que têm escolta armada para protegê-los, a nossa proteção é o grande Arquiteto do Universo que toma conta de nós. E, dentro desse contexto, o que você tem que ter é equilíbrio para suportar provocações, e dentro do plenário, você fazer a prova daquilo que você está argumentando.

Que conselhos você dá aos estudantes do curso de Direito e futuros advogados?

Hoje, nós temos um problema muito grande que é quantidade de faculdades de direito, e esta aqui (FUCAMP) é uma faculdade de excelência, mas nós temos muitas  instituições acadêmicas que, às vezes, são deficitárias, nós colocamos no mercado hoje  uma quantidade imensa de bacharéis e que, às vezes, não estão qualificados. Então para você que faz Direito, o conselho que posso dar é: estude, minha amiga, meu amigo, meu preclaro acadêmico e acadêmica, estude! Sabe por quê? Sem estudar, você vai ficar reclamando que não passa no exame de ordem, e quando passar no exame de ordem, o pessoal pensa… “passei no exame de ordem, que maravilha!”, aí é que você vai entender como é que se chega ao sucesso, tem que ter um diferencial, porque no mercado tem muitos advogados, mas é preciso começar a trabalhar e ser competente!

Comecei fazendo dativo, advogando de graça, eu brinco que eu tenho 500 júris para não chegar aos 1000 e ficar igual ao Romário e ao Pelé e ter que parar. Então eu tenho quinhentos júris,  o número é bom em 30 anos, é bom de serviço. Eu comecei fazendo júri de graça, fiz 300 júris de graça. Um que teve muita repercussão foi o de um capitão da PM, em que eu fui ameaçado dentro do plenário (esse vídeo está disponível nos canais do You Tube, com 20 milhões de acessos) .  Eu fui fazer de graça, paguei do meu bolso hospedagem, gasolina, alimentação fora do plenário, e isso contribuiu para eu virar o advogado que eu sou hoje, eu não sou melhor nem pior que ninguém,  eu sou diferente! E não sou um cara muito bom de enfrentar não, porque eu sei o que estou fazendo ali dentro. Então, a capacitação faz toda a diferença. Rui Barbosa disse: “advocacia não é lugar de covarde”, e eu arremato para você: tribunal do júri não é lugar de aventureiro, estude e se prepare para enfrentar o que são as agruras do plenário.

Foto: Marcio Junio

Agradeço à FUCAMP, é um prazer imenso estar aqui, desculpem qualquer excesso nosso, eu sou falível, a infalibilidade reside apenas na mão de Deus. Então, como um ser pequeno e insignificante deste cosmos imenso, muito obrigado a todos!

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